O microcrédito, uma linha de crédito geralmente associada aos países mais pobres do mundo, está crescendo em toda a Europa, dando chance a milhares de pessoas, como Fátima Fernández, de abrir pequenas empresas e evitar cair na pobreza enquanto a região se levanta da recessão.
Fernández, uma professora de dança de 31 anos que estava desempregada há quase um ano, parou de procurar emprego e abriu uma escola de ioga e de dança em Madrid, em dezembro de 2012, com um microcrédito de 25.000 euros (US$ 34.000), depois que bancos tradicionais rejeitaram seu pedido de empréstimo.
"Tem gente que diz que eu sou louca ou muito corajosa", diz. Mas "é um trabalho seguro, porque só dependo de mim mesma."
Os microcréditos são classificados na Europa como empréstimos não garantidos de até 25.000 euros. Apoiado por subsídios do governo, o volume de microcréditos na região subiu 31%, para 1,05 bilhão de euros, de 2008 a 2011, segundo dados recentes da Rede Europeia de Microfinanças. O volume de novos empréstimos mais que dobrou, para 204.080 nesse período. Só na Espanha, mais de 75.000 pessoas tinham contratos de microcrédito pendentes em 2011.
O crescimento do microcrédito contrasta com uma pequena retração nos empréstimos tradicionais concedidos por bancos comerciais europeus, durante os anos de recessão. O total de empréstimos para empresas com valor inferior a 1 milhão de euros caiu na zona do euro, de 69,7 bilhões de euros há seis anos para cerca de 44 bilhões de euros em agosto, informou o Banco Central Europeu.
Mesmo que a Europa comece a se recuperar lentamente, economistas acreditam que os microcréditos continuarão crescendo, ajudando a mudar uma cultura que valoriza o conforto e a segurança ao invés do risco.
Entrar ou se manter na classe média com empregos estáveis em empresas de médio e grande portes é hoje menos provável que no passado, dizem os economistas. Agora, trabalhar por conta própria está se "tornando uma estratégia de sobrevivência" para a classe média, diz Guillem Arís i Coderch, coordenador da CP'AC, uma fundação que promove o profissional autônomo na região da Catalunha, na Espanha.
Os governos europeus estão tentando incentivar a tendência. A Itália reduziu a exigência de capital mínimo para abrir uma empresa de responsabilidade limitada de 10.000 euros para 1 euro. A Espanha oferece deduções de até 80% das contribuições para a previdência durante os primeiros 18 meses trabalhando como autônomo.
É difícil dizer se as pessoas que pegaram microempréstimos no Sul da Europa são mais propensas a se tornarem inadimplentes, por causa da falta de dados comparativos diretos. Segundo os dados mais recentes da Rede Europeia de Microfinanças, 15% dos pagamentos de microcrédito na União Europeia estavam pelo menos 30 dias atrasados em 2011. Na Espanha, em agosto, 12,12% de todos os empréstimos foram classificados como inadimplentes, de acordo com o Banco de Espanha. Na Itália, 15% do total de empréstimos estava atrasado em 30 de junho, segundo o Banco da Itália.
Mesmo quando a economia está bem, apenas cerca de 50% das empresas novas na Europa sobrevivem cinco anos, de acordo com a agência de estatísticas da UE.
Fernández diz que seu empreendimento não tem sido fácil. A frequência mensal em sua escola de dança caiu de cerca de 120 alunos, em maio, para cerca de 40, durante o verão. Ela deixou de recolher salário por três meses e viveu com suas economias e com a ajuda do namorado. No passado, ela tinha aversão a conflitos, mas hoje diz que teve que aprender a importunar os clientes para conseguir receber em dia e quitar suas parcelas do empréstimo que fez no MicroBank, uma nova divisão do banco Espanha Caixabank SA CABK.MC +0.03% . Ela tenta não pensar no que acontecerá se sua escola falir. "Quem investir agora e segurar as pontas nessa crise se sairá bem, ou pelo menos é o que eu espero", diz.
Há séculos, credores têm emprestado pequenas quantias de dinheiro a pessoas pobres em todo o mundo. A encarnação moderna do microcrédito ganhou destaque através do trabalho de Muhammad Yunus, um economista que na década de 70 começou a emprestar somas de algumas centenas de dólares, sem garantias, a grupos de mulheres pobres na zona rural de Bangladesh. Os bancos eram escassos nessas áreas e havia muitos agiotas. Yunus e o seu Grameen Bank descobriram que as mulheres pagavam suas dívidas numa taxa maior que a esperada e geralmente se tornavam menos pobres.
Instituições sem fins lucrativos levaram a prática à Europa, no fim da década de 80, para ajudar os imigrantes que não conseguiam obter empréstimos para abrir pequenas empresas em bancos comerciais. Desde 2008, o microcrédito à classe média nascida na Europa cresceu junto com o aumento do desemprego.